Estalagem d’amore, Vida, mais que por vossos quartos, são por elas, vossas casas, as flores e o estrume, o susto e a glória. Existir é rito transmigratório; e anda e anda incalculável sempre. Nenhuma permanência, nenhuma raiz ou fundação, ainda que em todas as casas deixemos, como a serpente e a sua casca, a igüana e o seu ovo, marcas e memória, a graça profana de havermos passeado, alguma vez aos uivos, cada um dos quartos dessa estalagem de vivos. Dela, os cômodos constantes e o rito de nossa vida, Vida, provisória.
Ver Karen Debértolis ver a acidentada geografia das moradas rente ao deserto; e a sua voz, como a de um almuadem, a soar, prece e lamento, mugido e júbilo, feito a natureza mesma dessas paragens, quarto a quarto, peça a peça, através do causticante veneno que é a vida gasta, a cada dia, gota a gota, gole a gole. Persistente antevisão, ai de nós, do cinismo fatal. Deixa que, neste cômodo apertado, eu me entregue, Amor, à sedução do abismo.
Fulgor e Morte, Vida, o que queres dos nossos restos de mim aqui onde a escrita mora camaleônica como o próprio ofício de existir – êxtase e nojo; felicidade e passarinho? Em que esplendor do sinistro os andaimes do medo?
Nunca mais sairás desta Estalagem, Amor, mesmo porque nunca, em tempo algum, fechastes a pesada porta atrás de si, severo gesto de quem já pegou de novo o caminho – como se fosse o de volta... Não, Amor, não há caminhos de volta nem fracassos. Entre o pasmo e a epifania a Estalagem das Almas de Karen Debértolis mora.
Batei, Amor, à porta, devagar. Vos atenderá, toda molhada, uma senhora de gelo. Que o sol desmaia em rumor, em água, em chuva, em matéria gasosa e de novo sozinha.
Esta estrela – escutas? – é a morada dos homens.
Wilson Bueno
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