sábado, setembro 02, 2006

Escrito por Mário Bortolotto em seu blog
Atire no Dramaturgo
às 14h07 em 02/09/2006


O VELHO QUARTEIRÃO

Londrina vai parar em Cabo Verde. Os caras lá vão ouvir três atores falando carinhosamente de uma cidade do Interior do Paraná (eles não fazem nem idéia do que seja o Paraná). Eles vão ouvir por meio da peça afetiva que escrevi sobre a cidade. Diário das Crianças do Velho Quarteirão. Os caras lá vão ouvir os atores falando sobre o Paulão Rock and Roll, sobre o Bar do Jota, o barman que atirava tampinhas de garrafas na gente. Vão ouvir falar do garoto que comemorou 20 anos comendo uma puta num hotelzinho vagabundo da Rua Maranhão. Eles vão ouvir falar do Toninho e da garota de branco que passou de madrugada pela rua com um copo de papel na mão. Eu tô falando de Londrina e os caras lá em Cabo Verde vão ouvir falar da cidade pela primeira vez. Vão ouvir sobre o Velho quarteirão. Eu sou de Londrina. Eu nasci em Londrina. Podem me chamar de bairrista. Não tem problema. Muitos chamam os gaúchos de bairristas, ou os cariocas, ou os baianos. Então qual o problema de chamarem os londrinenses de bairristas. Temos motivos para tal. Foi lá que tudo começou. Foi lá que eu aprendi tudo o que precisava pra me mandar de lá. É isso aí, eu precisava sair de lá. Londrina cria, mas você tem que cair fora. Londrina não é a quinta maravilha do mundo. Existem governantes ineptos que fodem com a cidade. Eles sempre existiram. Existe um monte de filho da puta como existe em qualquer lugar. Existe um lado provinciano que insiste em caretear a cidade. Mas tem o outro lado. Tem um lado da cidade que é poesia elétrica, que é combustão permanente. Londrina é um furacão. A nossa São Francisco como bem disse o Pinduca no texto bonito pra caralho que ele escreveu a partir de uma foto do Jotabê Medeiros e que eu transcrevo no post abaixo. É isso aí, Pinduca. Isso ninguém tira da gente.

O Belo texto do Pinduca:

Soube recentemente que em uma palestra a crítica literária e professora da USP Viviana Bosi se referiu em tom jocoso aos “poetas de Londrina” assim: “Eles pensam que Londrina é San Francisco”. Não sei mais detalhes. Não sei por que ela disse isso. Em qual contexto. Mas sei o tamanho da falta de informação dessa mulher.

Nós não pensávamos (isso lá nos anos 80) que Londrina era San Francisco. Não pensávamos. Londrina era a nossa San Francisco. Uma cidade cosmopolita, louca, divertida — uma cidade feita por pioneiros. Uma cidade nova (na década de 80 não tinha 50 anos ainda). E nós nos sentíamos livres. Não devíamos nada a ninguém. Não tínhamos uma tradição a qual prestar contas.

Uma cidade feita por migrantes, tanto de fora quanto de dentro do país: ingleses, japoneses, alemães, gaúchos, matogrossenses, paulistas. Uma cidade onde grandes decisões haviam sido tomadas na zona. Uma das primeiras cidades do “interior” do país a ter um aeroporto. Para que pousasse toda sexta-feira o Balaio das Putas, o avião que trazia putas belíssimas do Rio de Janeiro, que faziam a festa no final de semana e embarcavam de volta na segunda-feira de manhã.

Uma cidade em que nos sentíamos a vontade. Quantas e quantas vezes assisti aulas na universidade depois de ter enchido a cara com os bêbados da rodoviária (projeto arquitetônico do Artigas) até 3 horas da manhã. Estudava cinema expressionista alemão com a professora Rosa de manhã, lia Joyce ou Borges ou Bukowski (o que desse na telha) à tarde, e à noite trocava idéia com os geralmente fantásticos bebuns da rodoviária.

Uma cidade conhecida pelo seu jornalismo de altíssima qualidade, irreverente e inovador. Uma cidade conhecida pelos seus grupos de teatro: Proteu, Delta, Armazém, Cemitério de Automóveis.

Uma cidade que, ainda muito nova, gerou dois dos grandes compositores, que fizeram muito barulho na “metrópole”: Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção.

Que gerou dramaturgos e diretores do porte de Mario Bortolotto, Paulo de Moraes e Nitis Jacon.

Que gerou poetas e escritores como Rodrigo Garcia Lopes, Marcos Losnak, Maurício Arruda Mendonça, Karen Debértolis, Nelson Capucho, Márcio Américo e Domingos Pellegrini Jr.

Que gerou mais músicos e compositores e conhecedores de música como Bernardo Pellegrini, Eduardo Batistella, Janete El Haouli e Paulão Rock’n Roll.

E jornalistas como Jotabê Medeiros.

A lista é grande e inevitavelmente eu vou esquecer muita gente (me desculpem!)

Aposto que a crítica Viviana Bosi desconhece a maioria desses caras e dessas caras. Como uma digna representante da “metrópole”, ela deve achar que aquele pedaço de terra roxa no norte do Paraná só pode figurar no mapa artístico e cultural como uma “província”.

Provavelmente ela nunca dirigiu um automóvel durante toda a madrugada por aquelas estradas, como fez Jotabê Medeiros no último final de semana.

Certamente, ela nunca vai sentir o mesmo que nós sentimos quando escutamos a valsa Londrina, belíssima, de Arrigo Barnabé.

Certamente ela nunca vai entender por que quase todo mundo que passou por Londrina continua adorando aquela cidade.

Ela não vai entender que Londrina não era apenas a nossa San Francisco.

Londrina era a nossa Londrina.

E nós todos não devemos nada a ninguém.

(Ademir Assunção)

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